No fim da década de 1960, tem início uma das fases de maior desenvolvimento da indústria vinícola brasileira e, entre seus protagonistas, um simpático enólogo argentino que fincou raízes no país e continua produzindo coisas incríveis por aqui.

Esse post é uma versão revisada da publicação que fizemos sob o mesmo título em 24/04/2021, no blog que a Confraria dos Bacanas mantinha no Wordpress.

Última atualização: 05/05/2025.

ADOLFO ALBERTO LONA nasceu em Buenos Aires e ainda criança se mudou com a família para Mendoza. Lá, seguindo o caminho de seus irmãos, formou-se em enologia na Faculdad Don Bosco.

Começou a carreira de enólogo trabalhando na Bodega Arizu, onde integrou a equipe de Don Raúl de La Mota, considerado por muitos "o pai do Malbec argentino" (Alejandro Iglesias, em Wines of Argentina).

Em meados de 1972, quando trabalhava no Departamento de Investigações e Promoções do Instituto Nacional de Vitivinicultura (INV) de Mendoza, inscreveu-se em um processo seletivo para a posição de enólogo no Brasil por insistência de sua então namorada, Silvia (até então, ele desconhecia o contratante).

Entre setembro e dezembro de 1972, Silvia é 'promovida' a noiva e esposa. Em 03/01/1973, com 25 anos e tendo passado apenas uma semana desde seu casamento, chega ao Rio Grande do Sul para assumir a direção técnica da De Lantier Vinhos Finos Ltda, divisão vinícola da Martini & Rossi do Brasil.

O PERÍODO DAS MULTINACIONAIS

No final da década de 1960, o mercado nacional de bebidas era muito fechado em razão da pesada tributação e inúmeras restrições aos produtos estrangeiros. Com  o vinho importado inacessível e uma produção nacional de baixa qualidade, multinacionais - como a Martini, Heublein, Seagran, Almadén e Chandon - investiram pesado ao longo das décadas seguintes para conquistar fatias expressivas do mercado brasileiro de vinhos finos. 

A Martini largou na frente e lançou em 1966 sua primeira marca de vinhos no Brasil. O Château Duvalier era produzido pela antiga Companhia Vinícola Riograndense, em Caxias do Sul/RS, mas a comercialização e distribuição seguiu na mão dos italianos, que fizeram dele o vinho fino brasileiro "mais vendido e até hoje não superado como marca individualmente. (...) Em 1974, vendia 1.200.000 caixas de seis unidades" (entrevista de Adolfo Lona para Suzamara Santos).

Anúncio vinho Chateau Duvalier (1971)Anúncio do Chateu Duvalier, de 1971 (Oswaldo Hernandez).

A 'importação' de um profissional com curso superior em enologia era parte dos esforços da Martini para consolidar sua participação no mercado brasileiro. A  instalação de uma cantina totalmente nova e moderna em Garibaldi e o controle da produção do Châteu Duvalier em Caxias do Sul exigiam a presença de um técnico qualificado.

O Rio Grande Sul vivia um momento de grandes e importantes avanços na vitivinicultura, com a introdução de "equipamentos de alta tecnologia e técnicas viticulturais modernas" (A História do Vinho no Brasil, em Associação Brasileira de Enologia). Mudas de castas europeias ainda inéditas por aqui (cabernet sauvignon, pinot noir, chardonnay, entre outras) foram importadas e plantadas, a produção conheceu novas técnicas e equipamentos, e uma eficiente rede comercial e de distribuição colocava a produção gaúcha à disposição de consumidores de todo o país.

Adolfo Lona acompanhou e participou intensamente desse movimento, atuando na vinícola e nos vinhedos. Junto aos viticultores, incentivou a adoção de manejos que valorizavam a qualidade da fruta com estratégias de reconhecimento dos bons produtores, pagando-se mais pela produção de padrão superior. Na cantina (vinícola), selecionou castas estrangeiras à medida em que se adaptavam (ou não) às condições locais e aperfeiçoou e adequou diferentes processos ao longo de todo o ciclo da vinificação.

O primeiro rótulo desenvolvido sob sua batuta foi o espumante De Gréville, lançado em 1974. Para tanto, Lona contou com a consultoria técnica de Silvain De Sournac, enólogo francês da maison Charles de Cazanove, de Champagne. Em entrevista ao jornalista Beto Duarte, em 2022, ele assim definiu aquele momento na história do espumante brasileiro:

Eu não sou o pioneiro dos espumantes porque, no espumante, foi Peterlongo o primeiro. Depois, Georges Aubert. Eles criaram um mercado de espumantes charmat a preços competitivos, para todos. Agora, quem primeiro pensou em fazer um espumante com todos os recursos possíveis, inclusive técnicos, trazendo um técnico da França e me trazendo da Argentina, foi a Martini em [19]73, quando se instalou em Garibaldi e entendeu que a região da Serra Gaúcha já tinha condições de oferecer uvas adequadas para os espumantes e porque acreditava muito no mercado brasileiro.

Anúncio do Champagne De Greville, de 1977Anúncio do 'Champagne' De Greville, de 1977 (Oswaldo Hernandez).

Embora brasileiríssimo, o produto trazia em seu rótulo a identificação "champagne". Lona explica que na década de 1970 "a denominação espumante oferecia resistência das cantinas porque era associado a sidras e bebidas de menor qualidade" (entrevista de Adolfo Lona para Suzamara Santos) e que a situação só começou a mudar após a adoção do termo "espumante" pela Chandon Brasil. Em 1995, "o Brasil passa a integrar o 'Office International de la Vigne et du Vin' (OIV), assumindo o compromisso de extinguir as expressões 'Champagne' e 'Cognac'"(Carlos Vivi, seção de Cartas da Revista Adega).

Elaborado pelo método charmat, o De Gréville introduziu um estilo de espumante mais maturado no país que, somado a uma excelente distribuição nacional, levou o produto a conquistar rapidamente a liderança no segmento premium: "chegamos a vender 75 mil caixas de dúzia, que são 150 mil caixas de 6 garrafas e não é pouco para charmat, ainda mais naquela época" (Adolfo Lona, em entrevista a Beto Duarte no Youtube em 07/03/2022).

Inspiradas pelo sucesso do De Gréville e de outras pioneiras que vieram na sequência (Vinícola Salton e a Chandon Brasil), as vinícolas gaúchas passaram a dar mais atenção à produção de suas borbulhas, iniciando um movimento que tranformou o espumante no produto vinícola que atualmente melhor representa o Brasil nos mercados interno e externo.

Com a cantina de Garibaldi em plena operação, a evolução dos vinhedos e um domínio maior sobre os efeitos do clima e dos terrenos gaúchos, Lona e sua equipe na De Lantier/Martini se viram prontos para um novo desafio. Em 1978, a linha de vinhos Baron de Lantier chega ao mercado brasileiro com os varietais merlot, cabernet franc, riesling e semillon. 

Anúncio do vinho Baron de Lantier de 1979Anúncio do vinho Baron de Lantier, de 1979 (Oswaldo Hernandez).

O sucesso mercadológico abriu as portas para o projeto de um vinho de guarda, cujo "modelo de elaboração eram os tintos robustos de Bordeaux":

Viajei, visitei Rioja, Barolo e Bordeaux à busca de soluções e informações e voltei com muitas. Mas uma foi reveladora. Na visita ao Château Margaux, seu técnico, o saudoso Paul Pontarllier, respondeu assim a minha pergunta de qual seria a melhor forma de elaborar um tinto de guarda no Brasil: “você que terá de achar a fórmula, todas as que vierem de fora podem não servir”.

A escolha da madeira das barricas foi o primeiro desafio que resolvemos com pragmatismo. Em Barolo, Itália, a recomendação era utilizar barricas de carvalho da Eslovênia, em Rioja, na Espanha, carvalho americano e em Bordeaux, carvalho francês. Importamos 50 de cada, fizemos testes e um ano depois decidimos: seriam barricas francesas das florestas de Never e Allier, medianamente porosas.  
(Adolfo Lona, no blog Vinho Sem Frescura)

Baron de Lantier Cabernet SauvignonVárias safras do Baron de Lantier Cabernet Sauvignon. Imagem: reprodução (UOL).

Em 1987, foi lançado o Baron de Lantier Cabernet Sauvignon (safra 1985), o "primeiro vinho brasileiro amadurecido em barricas novas de carvalho francês". "As primeiras manifestações de aprovação [do produto] começaram a surgir em fevereiro de 1988, no Concurso Internacional de Barcelona", onde ganhou medalha de bronze.

A partir daí, novas premiações em diversos concursos nacionais e internacionais (a lista a seguir é apenas ilustrativa):
- Melhor vinho brasileiro - Ranking Playboy 1988;
- Medalha de prata no Concurso Internacional da Iugoslávia (1988);
- Medalha de ouro na Seleção Mundial de Londres (1989);
- Medalha de ouro na Seleção Mundial de Luxemburgo (1990).
(Daniela Lovatto Burin)

Acredito que com este vinho a Serra Gaúcha demonstrou que era possível produzir vinhos que desafiassem o tempo e ganhassem com ele, elegância, amabilidade e complexidade.
(Adolfo Lona, no blog Vinho Sem Frescura)

Até então, nenhum vinho brasileiro havia conquistado distinção ou medalhas em concursos internacionais. Era chegada a nossa vez! O fato era por si só tão surpreendente que levou o nome Adolfo Lona para muito além da Serra Gaúcha. Entrevistas, degustações, palestras, apresentações e muitas matérias jornalísticas. Eventos com a sua presença estavam entre os mais relevantes no mundo do vinho brasileiro daquele período.

Ainda hoje se encontram citações incluindo a safra 1991 do  Baron de Lantier Cabernet Sauvignon em listas de 'melhores tintos brasileiros de todos os tempos'.


Avaliação do Baron de Lantier Cabernet Sauvignon safra 1991, no Vivino (print de abril/2025), com rating médio de 4,2 estrelas (o máximo são 5). Vale lembrar que o aplicativo foi lançado em 2010. 

Nas comemorações dos seus 50 anos de Brasil (em 2023), Lona homenageou o saudoso Baron de Lantier com o lançamento de um novo tinto de guarda: o ►BARON ADOLFO LONA ASSEMBLAGE 2020.

Mas nem mesmo todo esse ascendente sucesso foi suficiente para segurar o turbilhão trazido pela violenta abertura do mercado brasileiro de bebidas aos produtos estrangeiros, no início dos anos 1990. A liberação das importações minou rapidamente a atratividade da produção local para as empresas estrangeiras. Investimentos minguaram, linhas de produtos foram descontinuadas, vinhedos e cantinas passados adiante, e, em pouco mais de uma década, chegava-se ao fim do "período das multinacionais", cujo legado foi "um grande salto qualitativo no vinho brasileiro que hoje, a despeito das dificuldades de solo e clima, ostenta padrão internacional de qualidade" (A História do Vinho no Brasil, em Associação Brasileira de Enologia).

Na pioneira Martini, marcas como Château Duvalier, De Gréville, Baron de Lantier e tantas outras foram encerradas e, em 2005, as instalações da De Lantier em Garibaldi passaram para o controle da vinícola brasileira Casa Perini. 

Para Adolfo Lona, era hora de trilhar um novo caminho!

 

Essa história não para por aqui... Leia sua continuação em  ►A BORBULHANTE HISTÓRIA DE ALDOLFO LONA - PARTE II: DECOLAGEM PARA UM VOO SOLO